
CIBERLIVRARIA
Realismo fantástico digital e em papel
O VESTIDO DA MICHELE
07-07-2020
O GROBO, perdão, o GLOBO, censurado por uma juíza fulana de tal a pedido do primogênito do presidente, para amenizar o clima num sete de setembro mixuruca, escreveu sobre moda, coisa leve, destacando o vestido estampado como o qual a senhora Michele Bolsonaro, esposa do presidente, participou da festa no Palácio Alvorada. Foi dito coisas sérias e algumas observações um tanto o quanto maldosas. Por exemplo, Paula Acioli, especialista em moda e comportamento, estranhou que a senhora Bolsonaro, adepta de roupas monocromáticas, tenha escolhido um modelo multicolorido. E salientou: “ talvez seja uma mensagem de otimismo em tempos difíceis,” Uau! Agora preste atenção porque a informação é importante. “O estilo romântico mas contemporâneo, transpassado de babados, reconhecido no mundo da moda como ´ruffle wrap dress`, é um dos modelos icônicos da criadora Diane von Furstenberg”. Houve discordância, destacada pelo O GLOBO. Foi da estilista, perdão, stylist, Manu Carvalho. Atacou: “Os babados voaram bastante. A modelagem é simplória e a peça visivelmente malfeita.” Nossa! A pergunta que fica é se no espalhafatoso é o número de formas: 196, aniversário da independência? Ou, quem sabe, só 27, para igualar ao número de depósitos realizado pelo Queirós? Fica a dúvida. E prometo nunca mais escrever sobre vestido estampado.
A DÚVIDA PERSISTE
17/07/2020
De repente, não mais do que de repente, o presidente do Brazil (epa, escrevi com z) apareceu sorridente com uma caixinha de hidroxicloroquina na mão. E anunciou que estava curado, o coronavírus que anda matando milhares por dia Brasil afora, tinha ido embora. Puf! Sem deixar nenhuma mazela. Tão contente, ficou o presidente, que se lembrou de sua moto precisando de uma revisão e foi ao mecânico, sem máscara, sorridente. Não se sabe que dentifrício usou. Era coisinha de nada, o mecânico não demorou. De volta, ainda sem máscara, parou num posto para abastecer o bitelo. Há notícia de que recebeu acenos e aplausos de gente que, como ele, deve tomar hidroxicloroquina. Persiste a dúvida se é verdade ou se é mentira a afirmação do presidente De Gaulle, nos tempos da quase guerra da lagosta: o Brasil não é um país sério. Ou não foi ele quem disse? Não importa. A dúvida persiste. E hidroxicloroquina é bom para a malária, ineficaz contra a ignorância.
E DOS NABABOS, NADA?
18/06/2020
Que a economia brasileira vai descer ladeira abaixo de marcha a ré, vai. Assim como a economia dos Estados Unidos, da China, da União Europeia ou de qualquer país deste mundo atacado pelo Corona vírus. Previsível! Os gráficos já estão montados por economistas e administradores mundo afora. O problema é como um novo séquito de milhões de famintos vai se unir ao outro bilhão que já vive completamente às margens das benesses do capitalismo. Conformados, sem ter pelo menos o pão de cada dia? Difícil crer. A fome para quem já comeu todos os dias pode despertar forças para botar abaixo qualquer repressão.
E então? Os governos em geral, e o brasileiro em particular, estão querendo resolver o problema sem mexer na pirâmide, abrir a torneira que está no vértice para regar a base ressecada. Em números, em dezembro de 2018, a CUT divulgou resultados de três pesquisas, uma delas internacional, mostrando que no pódio da desigualdade 1% dos brasileiros detém a riqueza de 30 por cento de seus compatriotas.
Deve sair farelo quando os senhores deputados e senadores se barbearem, do contrário não teriam a cara de pau para aprovar nesta primeira quinzena de julho a medida provisória 936, que autoriza reduções de salários por 30 dias, renováveis, mais a suspensão de contratos de trabalho por dois meses. E dos nababos, com a grana adormecida em contas bancárias? Nada, um centavo sequer, para a felicidade de Paulo Guedes que sonha toda noite montado no cavalo do neoliberalismo. Que ele tome cuidado, pois pode cair com o pangaré neoliberal sem fôlego afetado por um novo vírus pronto a corroer a mais valia.
O sistema capitalista vai ter de recuar. Eles sabem. Mesmo sem o Covid-19, os sinais do esgotamento já eram visíveis diante do fim inevitável da substituição de grande parte do trabalho humano pelas máquinas, pelos computadores e pelos robôs. A riqueza terá de ser melhor distribuída, necessita-se de um salário básico garantido a todos que dele necessitam. A pirâmide tem de transformar numa cúpula em processo de achatamento. Menos nababos e menos famintos. No Manifesto do Partido Comunista, o então jovem Marx transbordando idealismo e otimismo, ao prever uma sociedade onde todos teriam suas necessidades garantidas, reconheceu que o capitalismo, já no século atrasado, havia criado maravilhas maiores que as pirâmides do Egito e as catedrais góticas. No entanto, agora, carrega o nauseabundo cheiro de injustiça e fede, como fedeu o feudalismo. Esse vírus pode ser o empurrão que faltava para cair de vez ou se adaptar a um novo mundo que não admite uma casta de alguns milhares detendo riqueza igual a de bilhões.
PANDEMIA E DEMOCRACHIA
Não escrevi errado. É isso, a democracia chia na pandemia. Quando um vírus ameaça uma matança geral mundo afora, querendo repetir a gripe espanhola que ceifou a vida 50 milhões para uns, 100 milhões para outros, algo mais do que as duas guerras mundiais combinadas, o direito de ir e vir, de dispor do próprio corpo como bem entender são os primeiros a ir para o beleléu. Praticamente ninguém protesta, quando se sente o bafo do primeiro cavaleiro do Apocalipse. Poucos levantaram a voz contra uma declaração de tal calibre do governador João Dória de São Paulo ao impor a quarentena em todos os municípios do Estado.
- Saímos do campo da recomendação. É um decreto.
Na Europa, onde o primeiro cavaleiro está bastante ocupado, as recomendações governamentais são praticamente decretos: toque de recolher na Alemanha, a não ser que se prove necessidade urgente (comprar comida e itens essenciais), pesadas imposições de cruzamento das fronteiras até então abertas dos 30 países que assinaram o Tratado de Schengen, a grande maioria da União Europeia. Mesmo a fronteira da Holanda e Bélgica, onde se passa de um país ao outro sem perceber, está fechada, a não ser que se prove necessidade inadiável. Restrições praticamente idênticas as tomadas pelo Brasil nas fronteiras com seus vizinhos.
Aonde isso tudo vai parar ninguém ainda sabe direito. Pelo momento, por trás das decisões governamentais, estamos mais ou menos sob uma ditadura tecnocrata, ditada pela comunidade científica, sobretudo pela área da medicina. Por mais libertário que um indivíduo possa ser, praticamente ninguém se sente a vontade em sair às ruas gritando contra as autoridades que têm nas mãos, como os cavaleiros do Apocalipse, uma foice para ceifar as liberdades individuais. Com o aval da Organização Mundial da Saúde, ao classificar o coronavírus de pandemia, há o perigo de muitos filhotes de ditadores tomarem gosto de uma situação onde a maioria está confinada em suas casas morrendo da doença e medo. Um 1984 de George Well pode ser pior do que o corona.
Vencido o vírus, será necessário um protesto global para torcer o pepiino dos que tomaram gosto pelo autoritarismo e obriga-los a tomar as medidas para implementar a prevenção contra novas epidemias, conforme recomentou Bill Gates em brilhante conferência em 2015.
Tarcisio Lage – 23/03/2020